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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Futebol_A especificidade ou Especificidade? (Carlos Carvalhal)


Estranho ler este título! Qual a diferença entre especificidade ou Especificidade? A palavra é a mesma, mas o facto de uma estar em maiúsculas traduz a sua singularidade. Já vamos perceber o porquê…
Muitas vezes lemos nos jornais ou ouvimos na rádio, o jogador X voltou ao trabalho juntamente com os colegas mas apenas realiza trabalho específico!

Quando se referem a trabalho específico, estão a dizer que o jogador cumpre um plano de integração sobre o ponto de vista da sua condição física, muitas vezes adicionada também a componente técnica!

Estas abordagens levam-nos a reflectir e a viajar sobre os fundamentos de diversos tipos de periodização aplicados na modelação de equipas.

Para quem está num comprimento de onda em que entende que a melhor forma de preparar uma equipa é fazê-lo com uma atomização das diversas componentes (física, técnica, táctica e psicológica), trabalhando-as separadamente, acreditando que a melhoria de cada uma delas poderá significar a melhoria das capacidades no seu todo. Aqui, trabalho específico é a tentativa da melhoria das capacidades dos jogadores sob o ponto de vista físico e técnico, para que depois se possa integrar estas componentes de forma a melhorar a equipa. Acreditam que a melhoria separada destas capacidades manifestando-se “por si” possa significar acréscimo qualitativo no todo.

Esta visão está claramente ligada à visão Cartesiana que influenciou todas as áreas do conhecimento nas últimas décadas. Foi este o tipo de periodização que ainda senti no corpo enquanto jogador. Pré-épocas duríssimas sob o ponto de vista físico, trabalho geral nas primeiras semanas (bola…nem vê-la), e depois a incorporação dos aspectos tácticos, uma vez por semana, através de exercícios de 11x11 no campo inteiro.

Com o passar dos anos (ainda como jogador), começou a “moda” do treino integrado. Era moderno treinar com bola, quem o fizesse estava num plano evoluído! A bola começou a estar presente na maioria das unidades de treino. Muito mais agradável para nós jogadores, a motivação para o treino era claramente diferente! Mas a bola era fundamentalmente um acessório porque no fundo a preparação e a utilização da bola visava sempre a melhoria de alguma capacidade física. Resumindo, a bola era utilizada fundamentalmente para treinar a componente física, estavam sempre condicionados por esta visão, pela vertigem do lado físico do jogo! Fazer corridas de condução da bola de 80 e 100 metros, ou fazer saltos sobre a bola era usual!
Nesta dimensão, falar de treino específico, quando um jogador regressa ao trabalho, através de corridas com bola, para melhorar aspectos técnicos balizados por uma qualquer capacidade física, faz todo o sentido.

Começo enquanto treinador no Espinho, na 2ª liga. Trago comigo 20 anos de experiência como jogador. Jogador que vivenciou algumas mutações metodológicas e que sempre colocou questões! Inconformado com a maioria das respostas… com o sentido crítico apurado, fui formulando um pensamento diferenciado! Nem melhor nem pior, diferente!

Como era possível dizer-se que era necessário um período de preparação de 6 a 7 semanas no mínimo, e com 3 de preparação geral, se eu estive a jogar numa equipa de alto nível (entenda-se aquelas que jogam para ganhar todas as competições), na qual ao fim de uma semana estávamos a competir num torneio internacional com as melhores equipas da Europa e o objectivo era só um… ganhar! Depois deste torneio, jogos de 4 em quatro dias até ao primeiro jogo oficial, ainda com o mesmo objectivo – ganhar! Deu para reflectir…

Outra coisa me inquietava! Se a ideia era preparar uma equipa para jogar futebol, porque é que não se preparava o jogo a jogar…

Existem por vezes momentos na nossa vida que são importantes na forma como estruturamos o nosso pensamento.

Enquanto dava os meus primeiros pontapés na bola no meu bairro, paralelamente estudei numa escola de música dos 6 aos 10 anos. Para falar verdade não gostava mesmo nada das aulas de música, eu adorava jogar futebol. No entanto, reconheço que a música é e foi importante na modelação da personalidade.

Tinha que estudar música e praticar um instrumento! Desta experiência, recordo-me que tínhamos que fazer dois concertos, um pela altura do Natal e outro no final do ano. Não me lembro de ter que fazer preparação física para tocar, treinávamos a tocar! Mas o ensinamento mais importante que recolhi foi o facto de perceber que o solista era muito importante, mas se não estivesse coordenado com o resto da orquestra, de nada valia. Mais ainda, para que a música saísse com afinação e harmonia, eram importantíssimos os timings de entrada de cada um. Isso exigia ligação e coordenação com os demais membros da orquestra, todos estavam ligados por uma ideia (pauta), que no fundo tinha uma forte componente emocional dada pelo “soul” da música no seu todo.

Outra ideia que considero um ensinamento dessa altura, era o facto de ser tão importante o xilofone, ou o tambor, como também o violino ou o piano. Talvez alguns instrumentos se assumissem e destacassem aos ouvidos das pessoas, mas para existir harmonia, e no fundo para que existisse música, todos tinham a mesma importância para o chefe de orquestra. Sem dúvida nenhuma, o Todo era claramente muito mais do que a soma das partes…

Eu queria jogar futebol a toda a hora, em todos os momentos livres divertíamo-nos a jogar no campo da escola e lembro-me perfeitamente de pensar… o jogo é como a orquestra!

Quando entrei para a Faculdade tive o privilégio e a felicidade de ter como regente da cadeira de futebol o professor Vítor Frade e encontrei respostas para as minhas inquietações. Viajei pelo mundo da Complexidade, da teoria do caos, do caos determinístico, dos fractais, etc.

Começo por aqui, para dizer que esta viagem confirmou o que é uma ideia comum. O futebol é realmente um jogo muito simples e por ser tão simples é que é complexo!

Modelo as minhas ideias e descubro um caminho, começa a vida de treinador! Não copiei absolutamente ninguém e faço o meu próprio caminho.
A ideia de complexidade faz todo o sentido no futebol! O jogo é caótico na sua natureza. A “ordem” é dada pela nossa ideia de Jogo. Ela é operacionalizada e modelada por exercícios. Mas que exercícios?

Procurando simplificar! Para o treino ser verdadeiramente Especifico o que se deve estabelecer como premissa inicial é: como vou melhorar a organização da minha equipa! Toda a planificação micro ou macro está subordinada à ideia de a melhorar qualitativamente.
Emerge aqui a componente táctica (organização) como central (não confundir como mais importante), arrastando consigo todas as outras componentes. Numa modelação que se quer dinâmica e em que o gestor do processo entenda a natureza aleatória do jogo e as suas características. Procurando chegar à sua Ideia de jogo com a invenção de exercícios “abertos”, fazendo com que a Especificidade seja entendida como um conceito aberto à imprevisibilidade, ao aleatório, ao acaso,

Se, como referenciámos em artigos anteriores, é importante estabelecer princípios do Jogo para os quatro momentos, agora acentuamos a ideia de que a Especificidade é o “princípio dos princípios”. Sendo esta a trave mestra que suporta metodologicamente esta Periodização.

A mim soa-me muito estranho ouvir alguns colegas dizerem ao assistir a treinos de outros colegas que “este determinado exercício é bom e vou copiá-lo”! Cada ideia de jogo contém os seus princípios, sub-princípios e respectivas ligações. Estes são articulados através de exercícios Específicos (porque não há duas ideias de jogo iguais), e os feedbaks do treinador no acto de aprendizagem vão transmitir uma forte mensagem de conteúdo emocional que tornam estes momentos singulares.

Os exercícios por si nada valem! Podemos estar a fazer um 6x6 em espaço reduzido e sem a presença activa do treinador. Vamos assistir a um comportamento colectivo em função da forma como cada jogador interpreta este exercício (meramente situacional). Ou o mesmo exercício pode ser altamente Específico em função do direccionamento e intencionalidade que o treinador transmite antes, durante e depois do exercício.

Esta intencionalidade do treinador em perseguir a sua Ideia de Jogo, vai fazer com que, desde o primeiro dia de treino, os jogadores se adaptem, através de exercícios Específicos, a um processo de modelação do seu corpo (sistema muscular, orgânico e nervoso).

A Especificidade transmite a sua singularidade pelo facto de os exercícios inventados pelo treinador conferirem uma adaptação referenciada à sua ideia de jogo e a uma forte matriz emocional que o gestor imprime no acto de treinar.

Entende-se agora a noção de Especificidade (processo singular), bastante diferente de especificidade.
Quando falamos de especificidade estamos a referir-nos a um conceito que assume o somatório ou a justaposição do desenvolvimento das diversas dimensões (física, técnica, táctica, estratégica e psicológica).
A Especificidade é um processo singular! Ao falarmos de Especificidade falamos do Todo, na relação dinâmica de interdependência entre todas as dimensões e na qual cada uma não existe sem as outras

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